segunda-feira, 16 de junho de 2008

Nosso mundinho de "doutores"

Nossa cidade, outrora terra do babaçu é conhecida agora menos pelo elevado número de urubus nas ruas que pela abundância de doutores. Nesta estimada terra, berço de índios longazes, insurge contra a plebe nativa uma nova tribo: a dos doutores.

Afora o fato de estarmos em pleno período eleitoral, o que eleva o número de doutores à quinta potência, encontrá-los é relativamente fácil: basta comparecer em eventos públicos (mas nem tanto), onde nossa high society babaçueira se reúne para ali travarmos contato com a fina casta e observarmos - pobres mortais que somos – o vai-e-vem de doutor X para cá, doutora Y para lá, em uma profusão de doutores que se tem a impressão de estar em meio a um congresso de medicina. Lembra daquele colega de sala de aula? Pois é, agora é doutor. Não se atreva a chamá-lo vulgarmente de senhor(a)! E – suprema heresia – jamais e sob hipótese alguma trate-o por aquele apelido inocente de anos atrás.

Vemos que aqui, salvo honrosas exceções, para um qualquer ser chamado de doutor, não é preciso ter concluído um doutorado – como deveria ser – basta que o pobre diabo tenha uma graduação qualquer (desde que não seja licenciatura, bem entendido). Também ascende ao doutorado qualquer cidadão que ostente alguns traços de riqueza aparente. "Doutor", nesse rincão abandonado aos infortúnios, não é só médico nem pós-graduado: é quem tem cartão de crédito, um carro novo (serve alienado) ou alguém que vive cercado de bajuladores.

Na mentalidade da gente simples da região, qualquer despreparado que chegue com palavras bonitas decoradas a duras penas deve ser considerado doutor. A falta de educação e, por conseguinte, de conhecimentos que perdura há tempos nas cidades interioranas favorece este tipo de tratamento, no qual os “doutores” se gabam e inflam o ego com a simples menção de seus nomes precedidos do digníssimo “doutor”, que, se não indica uma excelência acadêmica, serve para denotar uma distância social, como se isso fosse um título de nobreza, a exemplo dos antigos barões, duques e afins.

As regras do uso legítimo do título de doutor dizem que doutores são os que completam um doutorado e, por consideração especial, os médicos. Com isso, os extratos sociais modernos (leia-se: círculos sociais de abrangência) são usados como indicadores de privilégio e de casta. "Doutor", um título que deveria assinalar a competência específica de um cidadão, é usado para afirmar que ele pertence à tribo dos abastados.

Talvez o deslumbramento pelo título só seja ultrapassado pelo orgulho de ter belamente emoldurado na parede da sala um diploma, passaporte para a imortalidade, o gozo supremo sem camisinha.

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