terça-feira, 25 de março de 2008

Vida de gado

Passada a semana gastronômica - quer dizer - santa, voltamos à modorrenta rotina em Esperantina. Depois do deslumbramento diante de tão extasiante e cinematográfica festa, ainda inebriado ante tamanho espetáculo proporcionado às massas, não me sinto mais diminuido existencialmente por ter perdido o TIM Festival, economizarei uma grana com analista.

Paralelamente à execução da festa, em vão esperei pelo pacote de obras anunciado pela tríade da informação, entre as quais, o tal “tapete preto” (ai, que luxo) que seria “inaugurado em grande estilo” (idem) e outros bolodórios. Porém, para honra e glória dos munícipes, constatei sim, os meio-fios da cidade espetacularmente pintados de branco, que, tal qual cordão de isolamento das micaretas, parecia guiar os turistas, limitando-os em determinadas áreas previamente estabelecidas, uma espécie de releitura dos bretes nesta vida de gado.

Quanto à festa propriamente dita, para quem gosta de ouvir pela enésima vez os “novos sucessos” de sempre e de toda hora da mais pura expressão de cultura popular (pois é), deve ter sido uma boa pedida, afinal, cada qual tem suas preferências. As cenas das pessoas “dançando” no local lembravam o aqua dance em sofrível versão adaptada.

Só não entendo o porquê de uma festa com grande apelo popular - e até onde sei, levada a efeito pelo poder público - tenha caráter privatista, ao limitar o acesso aos trios àqueles que compraram abadás e deixando assim os “pipoqueiros” a ver (acompanhar?) navios. (qualquer relação com o volume de água no local é mera coincidência, força de expressão). E o que dizer dos camarotes?

Seria esta a nossa versão quixotesca do Baile da Ilha Fiscal? Só o tempo trará a resposta.

Enquanto isso, melhor voltar a curtir Rauzito...

...Papai não quero provar nada
Eu já servi à Pátria amada
E todo mundo cobra minha luz
Oh, coitado, foi tão cedo
Deus me livre, eu tenho medo
Morrer dependurado numa cruz...

segunda-feira, 17 de março de 2008

A miséria nossa de cada dia

Por total ausência de algo importante a fazer, estava a ouvir um programa partidário local, onde um debate acalorado era travado sobre realidades municipais e um dos participantes, quando indagado sobre um caso de desnutrição neste território bendito e ordeiro, afirmou entre outras coisas que “a África é aqui”.

A declaração é infeliz, embora não incorreta no sentido comparativo e tem uso corriqueiro nos meios de comunicação atuais.

Temos a imagem da África como um continente extremamente pobre e detentor dos maiores índices negativos em todos os aspectos da vida humana. Essa é a imagem que a mídia mundial nos passa e esquecem-se de que grande parte da culpa do que lá ocorre hoje é decorrente de séculos de exploração dos que hoje se arvoram de “defensores da humanidade”, amparados pelo obscurantismo religioso de diversos matizes.

Voltemos ao pronunciamento.

Se for para exemplificar a miséria aqui em Esperantina, não precisa ir tão longe, bastava olhar nos arredores, em outras cidades. Não precisamos de comparações com a África, se temos aqui miséria considerável, made in Brazil, yes.

Não queremos citar nossa cidade em particular para não envergonhar nossa elite e/ou prejudicar o turismo? Ok. Com a visão devidamente obstruída, passaremos então a generalizar e citemos o nordeste brasileiro, tão pródigo em exemplos de miséria, eternizada e romantizada em livros, filmes e reportagens que geram bons dividendos, prêmios, um minuto de indignação e... nada mais.

Aqui, tal qual na África, existem vítimas de séculos de exploração destruidora, perpetuada pela política dos coronéis, a indústria da seca e outras obscenidades, velhas conhecidas nossas, resultantes do jogo de interesses entre a classe política e a “sociedade”, em um processo elitista, opressor, burro e explorador. Também outras regiões do Brasil têm índices alarmantes de miséria, embora isso seja pouco divulgado para não “macular” a imagem de estados poderosos.

Os resultados da discussão não cheguei a ouvir, pois a repetição das mesmas falas em tom monocordioso tem o poder de induzir ao sono o mais abalizado dos ouvintes. Quanto ao debate, infelizmente talvez seja mais balela, gritos no vazio, o tal "enchimento de linguiça".
Indignado, adormeço à espera de notícias do mundo real.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Aos hipócritas, sem temor

Não adianta espernear. Se a classe política é um poço de hipocrisia, a sociedade também o é. Há os que se fingem de amigos para tirar proveito de pessoas e/ou bens públicos, por exemplo. Há ainda os que se escudam em religiões – via de regra, os piores - que supostamente lhes projetam ar de honestidade e se lançam no meio político para lutar pelo povo, mas na realidade os vejo tão ou mais hipócritas quanto os demais. Quando porventura fazem algo certo, tomam para si os louros da vitória, porém, quando erram põem a culpa em seres inexistentes, os "demônios", que nada mais são que suas imperfeições projetadas em algo exterior, que pode ser culpabilizado.
Sobre essas pessoas, era comum se ouvir na Idade Média que "A humanidade só terá paz quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre". Estas palavras eram usadas pelas pessoas que se sentiam diminuídas na sua existência, vítimas que eram das classes detentoras do poder. Hoje a mesma frase tem outra formulação: Só haverá liberdade quando o último político for enforcado nas tripas do último religioso.
O mundo pertence aos hipócritas, convenhamos. Para estes crápulas, o importante acaba sendo a imagem do indivíduo perante o grupo, o status. Estes têm entre seus objetivos os discursos grandiloqüentes, a defesa aos mais fracos, posar de nobre alma, criticar os vencedores para lucrar. Afinal, raros são os que realizam alguma coisa, enquanto a maioria pega carona, criticando os que sustentam a humanidade, mas disputando os créditos dos bons resultados. O povo desaprova, mas alienado, agradece.
A camuflagem hipócrita esconde os rostos dos covardes, oportunistas e falsos, rende bons frutos para os desonestos, que conquistam pela emoção multidões de esquálidos e desassistidos. A hipocrisia garante a fama de bondoso frente às massas. Ainda bem que os verdadeiros heróis não ligam para os créditos, deixando-os aos hipócritas, contanto que aquilo que tem que ser feito seja feito. Até mesmo os hipócritas agradecem, no silêncio e escuridão do apagar das luzes.
Como disse Voltaire: “Que Deus(?) me proteja dos meus amigos. Dos inimigos, cuido eu”.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Mais que um cabide de emprego

Na disputa acirrada pela eleição dos novos membros do Conselho da Criança e do Adolescente alguém esqueceu de avisar aos competidores que além de direitos, as crianças também têm Deveres. Esqueceram de salientar também que é imperioso o fiel cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, tudo isso aparentemente na vã tentativa de angariar simpatia aos votantes e/ou simpatizantes. É a política do “fofial”.

Afora as atividades já divulgadas – e realizadas, diga-se de passagem - à exaustão pelo conselho, ainda não consegui encontrar um único conselheiro efetuando diligências em festas noturnas, bares e assemelhados, fazendo cumprir os artigos do estatuto. O que se vê são grupos de adolescentes, protegidos por leis benevolentes e caducas a se esbaldar e aproveitar tudo o que lhes é negado entre outros, no art. 81 do ECA.

E a culpa é de quem? De quem vende bebidas a adolescentes? Sim. Mas antes de empalar comerciantes sedentos por dinheiro, seria interessante realizar um mea culpa e distribuir responsabilidades. Nossa “sociedade” hipócrita também tem lá sua parcela de culpa, pois direcionam suas digníssimas atenções para futilidades, limitando-se a ver pela TV os infanticídios e outras mazelas sociais em lugares distantes, esquecendo-se de que basta baixar o vidro fumê de seus automóveis para ver que a miséria é uma constante aqui mesmo.

Mais que um emprego, os pretendentes a uma vaga no conselho devem buscar a realização de importantes ações no âmbito da sociedade, como forma de minimizar a gritante desigualdade social e pelo menos passar aos mais humildes a sensação de que alguém olha por eles.

Nunca é demais lembrar: “quem se curva ante a burguesia, mostra a b** para o povo”.